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Vilipêndio

Vilipêndio

22 de Outubro, 2021

Um viver diferente

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Numa semana em que o tema principal foi o preço dos combustíveis, a vontade que tenho é de ignorar totalmente esse assunto. Se por um lado concordo com quem vê a sua vida mais difícil ainda pelo preço exorbitante dos combustíveis, acho também que a atenção que damos aos carros se está a tornar algo patológico na nossa sociedade. Não consigo escolher um lado porque o meu lado - diria - é noutro lado.

Há muito tempo que tenho sensações complexas que não sei bem explicar. Dou exemplos:

Custa-me horrores passar pelo IC19 a uma hora de ponta e ver uma enchente de carros de um lado e outra enchente de carros do outro. Há muito tempo que me faz confusão a forma como entregámos quase por completo as nossas cidades aos carros e aos condutores e como ignoramos, por completo, o efeito nefasto que esse hábito tem no planeta. No único planeta que temos.

Faz-me confusão que cem pessoas utilizem cem carros para ir para o trabalho sem nos podermos juntar, sem que possam ser, pelo menos, cinquenta carros a levar essas cem pessoas. Faz-me igualmente confusão que continuemos a ter um sistema de transportes públicos que está a anos-luz do que uma capital europeia merece e precisa. 

Por outro lado, ir ao supermercado é para mim outra fonte pródiga de desconfortos: ver frutas embaladas, utilizar quatro sacos para quatro tipos de vegetais diferentes, ver coisas embaladas dentro de embalagens que, por sua vez, têm outra embalagem muito bonita por fora. Tudo isto me parece absurdo. 

A distância que criámos entre nós e o planeta que nos criou há milhares de anos tornou-se inaceitavelmente grande. A natureza e a biosfera parecem ter-se tornado coisas tão longínquas que nem estão na mesma realidade que nós. É como andar numa ponte cujos apoios estão a ruir e nós continuamos a passar por cima dela, como se nada fosse.

Não foi assim que a espécie humana evoluiu ao longo de milhares de anos, a nossa felicidade não reside em nada do que nos estão a dizer há anos e anos e nós começamos, agora, a acordar para isso. Há algo muito primitivo em nós que deseja coisas básicas mas que deixaram de ser fáceis de obter no mundo actual. Ignoramos, diariamente, milhares de anos de comunhão com o planeta, animais e, mesmo, entre nós. Deixamos de ser uma comunidade para sermos um mar de individualidades. 

Causa-me uma enorme espécie que aceitemos tudo isto como normal, mesmo perante uma imensidão de dados que apontam para uma necessidade urgentíssima de mudarmos um grande número de hábitos na nossa vida. Não temos que passar a comer apenas uma vez por semana, não temos que deixar de tomar banho, nem temos que ir a pé de Lisboa a Sintra. Esses parecem ser os argumentos de uma ala conservadora da nossa sociedade que acha que temos é que nos calar com isto tudo e manter tudo igual, que os carros não são assim tão nefastos e que esta conversa das alterações climáticas é mais uma moda que outra coisa. 

Tudo me faz confusão porque tudo isto parece uma brincadeira de mau gosto. E andamos a brincar com algo que tem um valor incalculável: o nosso planeta. O planeta onde viveremos nós e todos os nossos filhos e netos. É inconcebível como nos achamos seres tão superiores que, ainda hoje, seja difícil começarmos a mudar hábitos tão pequenos.

Deixamo-nos levar totalmente por um voraz sistema capitalista que mete acima de tudo o sucesso monetário e não a preservação de um planeta único, que mete a competição e o individualismo à frente da comunidade e que põe o dinheiro, sempre o dinheiro, acima de tudo isso. Sejam carros ou fruta embalada, o objectivo é gastarmos dinheiro, sejam quais forem as consequências. 

E isso tem de mudar. Rapidamente. 

Posto isto, entre outros hábitos que tentei mudar nos últimos tempos (o plástico, o raio do plástico!) comecei a fazer compostagem em casa. Para quem não sabe, deixo a sugestão da página da mudatuga no instagram, um projecto fantástico de partilha de informação sobre a compostagem. Não sei ainda muito, só sei é que tenho uma vontade enorme de diminuir a minha pegada neste planeta. Sinceramente, não me parece haver nada mais importante: não quero ter a melhor carreira do mundo, não quero ganhar imenso dinheiro, não quero ter a melhor casa e o melhor carro e fazer as melhores férias.

Só quero sentir que, nesta minha passagem por este maravilhoso planeta, fiz tudo o que estava ao meu alcance para respeitá-lo e vivê-lo de uma forma simples mas com um sentido de comunhão que parece ser cada vez mais raro.