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Vilipêndio

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15 de Dezembro, 2021

Um Holocausto em cada esquina

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Há uns dias, a página de Twitter do Memorial de Auschwitz deixou esta resposta a um (de muitos) utilizadores que comparam o certificado de vacinação aquilo que Hitler e o seu regime fizeram aos judeus na Alemanha nazi. 

Se há um pensamento que tem sido constante ao longo deste último ano é este. 

Eu, que vi aproximadamente 3.487 horas de documentários sobre o tema, não consigo sequer começar a imaginar uma comparação. 

Mas tento fazê-lo, dada a frequência com que me deparo com esse argumento. 

 

Ora, a vacina. Uma vacina é um instrumento médico desenhado com o objectivo de diminuir a propagação de um vírus, neste caso o de um vírus respiratório que em algumas pessoas pode ser mortal. Foi feito também - e digo-o já para, no caso de haver aqui quem faça a sua própria pesquisa, não me colarem já um rótulo de "carneiro das massas" ou de simples totó - para ter lucro. Sim, as vacinas são para dar lucro e encher os cofres das farmacêuticas. Tal como 99% do que nós consumimos. O capitalismo funciona assim e nós temo-nos dado lindamente com isso. Contudo, é preciso uma coisa para obter o lucro, o tão desejado lucro: eficácia. É assim com tudo, dos cereais à gasolina, da roupa aos iogurtes. Se faz lucro é porque cumpre o seu objectivo. 

Feita esta introdução, como raio fomos parar ao Holocausto para discutirmos certificados de vacinação? Sou completamente a favor do debate público, sou completamente a favor da discussão e principalmente de medidas que nos envolvam a todos e no contexto de uma pandemia, sou a favor que não sejamos cegos no que toca à actividade de políticos e da sociedade no geral.

Mas... o Holocausto? Estaremos assim tão mimados e esquecidos para pôrmos o quase total genocídio de um grupo de pessoas, a morte de milhões de crianças e idosos em campos criados para o efeito em cima da mesa quando se discute medidas de controlo de uma pandemia? 

É fácil perceber a indignação perante a implementação de medidas restritivas a quem não é vacinado, é mais fácil ainda apontar todas as incongruências que se têm verificado ao longo de toda esta pandemia. Há medidas que foram, desde o início, um verdadeiro absurdo (durante um período tivemos crianças a ter aulas de máscara e malta jovem a curtir na discoteca sem nada disso ou, agora, que podemos comprar uma chamuça sem certificado mas não uma sopa porque é quente e conta como refeição) e que pouco fizeram no combate à pandemia excepto deixar-nos a todos mais cansados. 

Não queria estar na pele de nenhum governante nestes últimos anos, e creio que, da direita à esquerda, não haveria forma de encarar a pandemia de forma 100% eficaz e que agradasse a todos. Nunca se agrada a todos, como bem sabemos. Mas também não é fácil estar deste lado. No fundo, uma pandemia torna tudo mais difícil para toda a gente. 

Utilizar o Holocausto para mostrar a indignação perante estas medidas revela duas coisas apenas: uma ignorância enorme em relação à História e uma insensibilidade gigantesca, ao utilizar um dos capítulos mais negros da história da Humanidade como termo de comparação com uma vacina. 

Respeitemos os milhões de vítimas de um regime que se propôs a eliminar uma religião da face do planeta. Respeitemos a sua memória, por mais indignados que estejamos.

Não podemos deixar que tudo valha, não podemos continuar esta onda de guerra cultural constante, de entrincheiramentos e desvario, não tem que haver sempre dois lados e uma batalha. O debate público torna-se, a cada dia que passa, mais infantil, mais grotesco, mais primitivo e populista. Tudo vale para levar a água ao moínho, tudo conta para ganhar uma discussão, seja no Twitter ou num debate na televisão. É a nossa decadência, como dizia a página do memorial de Auschwitz, e não há como fugir dessa verdade. 

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