Um desastre chamado AD
📷 Fernando Veludo, LUSA
Cresci numa casa onde a figura de Sá Carneiro ocupava quase o lugar de Deus, porque este ultimo há muito deixara de ser figura, e onde a memória desse PSD e desses anos era frequentemente recordada. Apesar de, ao longo do meu caminho, ter seguido caminhos ideológicos e políticos diferentes disso, não deixo de ter um tremendo respeito por figuras como Sá Caneiro ou Freitas do Amaral, pelo lugar que ocuparam no crescimento da democracia no nosso país e pela sua elevação e respeitabilidade.
Contudo, em 2024, tudo está diferente. Os tempos são outros, a nossa democracia está em mãos diferentes, e a Aliança Democrática que nasce para estas eleições é uma AD bastante diferente.
Para além da liderança fraca de Montenegro, do vazio da presença, parcos argumentos e muito pouco carisma, o PSD chegou nos últimos dias ao ridículo de se ver aliado com uma autêntica nulidade política como Gonçalo da Câmara Pereira (que quer Portugal fora da UE, entre outras larachas) e de ver o seu líder imitar no dialecto o lider do Chega. E esse é exactamente o partido que mais teremos de abordar quando falamos do definhar do PSD.
O Chega ambiciona ser o principal partido de direita em Portugal e com muito jeitinho e com mais ajudas, não estará muito longe de o ser. Conseguiu sugar o conteúdo ideológico do PSD para si, extremando-o no caminho, mas atraindo muita gente que se sentia confortável no histórico partido social-democrata. O Chega fez barulho, teve um máquina bem montada por trás que está a dar os seus frutos. Na meteórica subida do Chega fica como triste efeméride a atenção dada pelos canais noticiosos a Ventura, mesmo quando ele pouco mais de 1% dos votos assegurava, para depois fazerem painéis de comentadores debater a inesperadíssima subida do partido. Mordemos todos o isco.
O PSD, como histórico partido do nosso panorama político, parece estar a ser engolido, devorado ao vivo. Não ficam dúvidas de que estará a ser devorado, em muitos momentos, por pessoas que fizeram parte dele e se alimentaram dele ao longo de anos. Muitas pessoas que vêm agora em Ventura o homem que queriam no seu PSD de sempre.
Como alguém de esquerda, é triste ver esta caminhada de um partido que sempre representou a oposição respeitável e democrática aos meus valores pessoais. Custa ver repetida a AD que tanto orgulhou a minha mãe há décadas atrás mas desta vez esvaziada ideologicamente, fraca, amputada e a correr atrás de um ex-comentador de penáltis da CMTV.
São os novos tempos e o PSD não parece ter prancha para estas ondas. Não nasceu para este mar.
Quanto ao CDS e a Nuno Melo, parecem ser versões políticas alternativas de quem nós todos sabemos. Apesar da muito maior experiência política, da maior capacidade argumentativa e com maior sentido de democracia, Nuno Melo parece hoje ser um remake de Ventura. E o CDS, um partido histórico do conservadorismo português e do debate democrático, viu-se vorazmente engolido pelo Chega, porque este soube atrair as bases mais católicas e conservadoras do eleitorado. Tudo André Ventura vai engolindo à direita. Os revoltados com o estado do pais, os ricos, os negacionistas, os saudosos do Estado Novo, os católicos e evangélicos. O Chega conseguiu fazer esta aliança PSD+CDS parecer-se muito a um último suspiro antes da morte e isso é gigante para um partido nascido há uns poucos anos.
Tudo isto tem ares de fim de ciclo, ares de mudança completa de panorama, pelo menos no que à direita portuguesa diz respeito. Todo o eleitorado à direita terá que escolher, algures no futuro, se é a favor ou contra Ventura. Vimos o mesmo acontecer em já incontáveis países no mundo.
Dito tudo isto, fica também bastante evidente que as eleições que aí estão a chegar poderão negar o que aqui está escrito e poderão mostrar que a AD é uma aposta com capacidade de bater-se com o PS de Pedro Nuno Santos e fazer real sombra ao Chega.
Poderão tornar ridículo todo este texto. E essa é a coisa bonita sobre isto da democracia.