Um concerto covidiano
Apesar de nunca me ter enclausurado em casa, de não ter conseguido mudar a minha rotina de trabalho - como muita gente ficou a perceber com o estado de Emergência, nem todos podem levar o trabalho para casa -, o que este bandalho chamado Covid-19 conseguiu fazer foi tirar-me os concertos. A mim e a todos os que dele precisam para viver e sobreviver, que não são poucos.
E , agora, quando o mundo parece querer começar a dar passos numa nova realidade, os concertos voltaram e as salas voltaram-se a abrir.
Tinha alguma expectativa para ir ver o Salvador Sobral no Maria de Matos, ontem. Não por nunca o ter visto - não vislumbro muitos músicos mais versáteis e irreverentes do que ele, em Portugal - mas sim por este mundo pós-covidiano. Ou apenas covidiano, ainda falta muito para um pós-tudo isto.
Houve filas ordenadas e espaçadas, entrada bastante controlada e uma pessoa à vez, álcool-gel para todos, dentro da sala os lugares eram em grupos de dois, devidamente espaçados entre si. Quando a festa acabou, a saída foi por filas, seguindo ordens específicas, e toda ela ordenadissima também.
Admito que ver um concerto com um pedaço de pano a esfregar-se na minha face não é a melhor experiência que se pode ter na vida. Admito que houve momentos em que me apeteceu tirá-la. Admito, assim como muita gente admitiria. Bastou ver a satisfação de todos quando, após a saída e a chegada à rua, rapidamente a tiraram como se abraçando de novo o ar e dizendo olá ao mundo outra vez.
Parece que nos tornámos um país de gente civilizada, será? Ou foi apenas uma amostra muito específica e reduzida? Será que já éramos civilizados e não sabíamos? O Salvador, como entertainer que é, soube tirar proveito disso e fez questão de dizer que tinha, no dia anterior, dado um concerto em Espanha onde notou pouca consciência para a pandemia, com um "camarim com 40 pessoas, muitas sem máscara". Depois disso, sublinhou que, por cá, não é isso que vê, e que há mais cuidados e atenção.
É assim que se ganha uma sala em Portugal. É fácil, não é preciso mais, basta dizer "somos melhores que os espanhóis". E, sendo verdade, ainda melhor.
Estou pronto para ir ao próximo concerto covidiano, diria. Por mais estranho que seja.
O mundo assim como parou súbita e drasticamente, também regressou e nós com ele.
Não sabemos para onde vamos, mas, de qualquer das maneiras, nós também nunca soubémos para onde íamos.