O vencedor do costume
Um em cada dois portugueses não foi votar nestas eleições autárquicas.
Medina até pode ter perdido a Câmara de Lisboa para um surpreendente Moedas, podem ter havido algumas autarquias que mudaram de cor partidária, mas comentários políticos a estas eleições certamente não faltarão.
Não é isso que pretendo fazer, até porque muita gente há por aí que sabe bem mais disto que eu.
O meu texto, este texto, é só para falar de uma abstenção que sempre me fez espécie e continua a fazer hoje e cada vez mais.
Os números da abstenção são os maiores de sempre e isso não é coisa que surpreenda alma alguma mas tem que nos fazer pensar e questionar o que raio se passa na nossa sociedade.
Se metade das pessoas não se interessam pela política, seja ela de cariz nacional ou local, como podemos ver estas eleições como representativas? Como é que conseguimos olhar para elas como o resultado da vontade do povo se metade do povo não lhes passou cartão? Como é que podemos aceitar isto de forma tão silenciosa e resignada? Como é que políticos e comunicação social não exploram este assunto e tentam rectificá-lo?
Parece haver um interesse silencioso em que a abstenção permaneça alta e que continuemos a viver nesta semi-democracia. Não entendo a apatia em relação a este assunto, a forma leviana como se olha para o facto de metade das pessoas não querer absolutamente ter nada a ver com política, mesmo que a política lhe toque a pele e a sua vida pessoal e quotidiana.
Todas as eleições em que participo são um orgulho e uma lembrança de quão importante é a democracia e o significado de uma cruz num quadrado. A voz do povo tem de se ouvir e quando metade de povo não a quer dar, por um sem fim de razões, a democracia está doente.
Houve um afastamento gradual das pessoas para com o sistema político e os seus intervenientes. Dois mundos diferentes que não se tocam, mesmo que um não exista sem o outro.
Isso é triste e um perigo para uma democracia.
Lutemos por isso, não pela esquerda ou pela direita, não por esta causa ou a outra, não pelas minorias ou pelas empresários, lutemos apenas para que todos tenham a vontade de pôr aquelas cruzinhas naqueles papéis.
E depois fazemos as contas e pensamos no futuro.
Um futuro feito com a voz de todos e não de metade. Só assim faz sentido.
Fotografia Miguel Baltazar