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Vilipêndio

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28 de Julho, 2021

O exemplo de Simone

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Simone Biles, uma rapariga de 24 anos que para a grande maioria das pessoas é já a melhor ginasta de todos os tempos, decidiu abdicar da participação na final dos Jogos Olímpicos, por questões de saúde mental. 

É uma decisão tão colossal que, para quem já teve exibições monumentais ao ponto de deixar alguns juízes tao estupefactos que nem sabiam como avaliar a sua prestação, esta é capaz de ser a melhor de todas na carreira.

Para além de ter suportado o abuso físico e mental de um treinador durante boa parte da infância e da juventude, para além da pressão que lhe é colocada nos ombros por todos e principalmente por ela própria, para além da exigência física tremenda da sua disciplina, para além de tudo isto, Simone tem 24 anos e tem cinco medalhas olímpicas, quatro de ouro, abriu novos caminhos na ginástica, tem movimentos com o seu nome e alcança níveis tão elevados que ultrapassam quase o real. 

A mensagem de que a saúde mental é inferior está ainda bem enraízada na nossa sociedade, o tabu é cada vez menor mas existe a tendência a colocar o nosso bem estar mental, e o dos outros, num patamar pouco visível, pouco importante. A cada vez maior competitividade nas nossas vidas leva a que, para atingir os nossos fins, vale a pena perdermos pedaços de uma saúde que não é física mas é tão importante como a outra saúde, a dos enfartes, do sangue e das dores. 

Por vivermos numa sociedade que acima de tudo premeia a obtenção de resultados e glorifica o sucesso, não faltarão nesse mundo os arautos da exigência máxima, da humilhação fácil e da total falta de noção. Seja porque são apenas ignorantes ou porque vêem as pessoas à sua volta como algo que não humanos. Dizem-no provavelmente nesse mundo anónimo das redes sociais, sentados no seu sofá aos 45 anos a comer um pacote de bolachas de chocolate, enquanto partilham tweets sobre a vacinação e o plano do Bill Gates para nos implantar o 5G no lombo. 

A competitividade é o que nos faz ser humanos, torna-nos distintos e leva a novos mundos, mas os demónios que Simone diz carregar com ela são os demónios de muita gente à nossa volta. Podem ser outros demónios, de outras cores e formas, mas não podemos continuar a sofrer em silêncio, com medo de parecermos fracos, e não podemos continuar a achar isso normal. 

Da minha parte e da de muito boa gente, e valha isso o que valha, Simone Biles tem os meus parabéns e a minha admiração. Tudo o que fez até agora na carreira teve sempre perto da genialidade, da mestria absoluta. Mas não vejo nenhum movimento na sua ginástica mais difícil do que este.

Que génio e que exemplo que é aos 24 anos.