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Vilipêndio

Vilipêndio

10 de Setembro, 2021

Já não se fazem destes

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Morreu Jorge Sampaio, aos 81 anos. O antigo presidente da República, autarca da Câmara de Lisboa e figura central da revolução que nos injectou a liberdade nas veias, deixa-nos a nós, portugueses, e a este país à beira-mar plantado com um vazio enorme.

Figura destacada da esquerda nacional, Jorge Sampaio fez sempre muito mais do que ser isso. Como qualquer agente da causa que é política, não poderá ser herói de todos, não poderá ser representante e porta-voz de todos os que respiram e vivem o país. Contudo, o que quero, nestas linhas, realçar são as qualidades que fizeram de Sampaio uma coisa simples e tão corriqueira mas que parece rarear nos dias que correm: um homem calmo, democrático e decente. 

A política que ele ajudou a criar neste país, depois de sessenta anos de adormecimento e ditadura, é uma política que cada vez mais parece coisa do passado. Tanto pela esquerda como pela direita actuais, não parecem haver as vozes, a postura, o estadismo, o savoir-faire, a intelectualidade, a cultura enciclopédica, a calma, a humanidade, a voz terna, a moderação e tudo o que fez de Sampaio, para além de um excelente político, um homem bom. 

Nunca o conheci mas não escrevo aqui sobre quem ele era na esfera privada. Quem ele foi, quando a câmara e o microfone lhes surgiam à frente é o que nos deve fazer avaliar a figura política. E a imagem que Sampaio transmitiu é uma imagem que desaparece do panorama político actual, tornou-se algo aborrecido quase. Já ninguém parece querer um Sampaio, que procurava entendimentos e consensos, que aceita todas as opiniões, mesmo aquelas com que discordava veementemente.

Num mundo cacofónico, onde quem grita mais alto é quem irá ser ouvido, parece que estamos a perder de vistas as linhas mestras, os ideais fundadores e o bom senso. 

Está a desaparecer toda a geração de homens e mulheres que lutaram, porque nasceram no meio dele, contra um regime aterrorizador, silenciador, que lhes amputou os braços e o crescer da alma, e que fez da sua vida uma constante luta pela vitória final, a vitória da liberdade e da democracia. 

Nós, o que nascemos num país onde já se podia dizer e fazer tudo de peito feito, vamos esquecer-nos de tudo isso.

Receio que, no futuro, quando tivermos de travar as mesmas lutas, ao olharmos para quem temos ao lado, não vejamos um Jorge Sampaio.

Que descanse em paz. E em liberdade, como ele nos ajudou a viver.