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Vilipêndio

Vilipêndio

14 de Janeiro, 2020

Causas e consequências

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O Dakar e, principalmente, o desporto português estão de luto. Paulo Gonçalves, motard português que cumpria o seu 13° Dakar, sofreu uma queda seguida de paragem cardiorrespiratória e não resistiu.

Não havendo muito mais para dizer sobre o tema, senão enviar as óbvias condolências a familiares e amigos, partirei para aquilo a que chamo o desígnio deste blog: o mal-dizer.

Ontem, os jornais A Bola e O Jogo fizeram capa com a morte do piloto português, assim como todos os sites e canais noticiosos deram ampla cobertura ao acontecimento. Já começam a adivinhar para onde vai este texto, não já? Se não, eu continuo.

Para contextualizar, então, começarei por dizer que sou homem de hábitos, nomeadamente de hábitos matinais. A coisa tem toda que correr muito bem para os chackras se alinharem. E um dos hábitos que tenho, logo quando o dia desperta, é o de ver as capas dos jornais do dia, como muita gente, calculo. Precisamente, aqui no Sapo, onde isso está tão bem organizado e actualizado que não se pede mais. Vai desde as capas nacionais às internacionais, do desporto aos generalistas. E, de entre as milhares de conclusões que se pode tirar ao ver as capas dos jornais diariamente, uma que se pode tirar facilmente é a de que, em Portugal, no que toca a desporto, no que toca a jornais, no que toca a atenção, existe futebol e pouco mais. Este já é assunto velho, já todos sabemos dizer a lenga-lenga do "somos o país do futebol", "não se dá atenção a mais nada, é uma vergonha". Para entender isto, diga-se, já nem dois dedos de testa são necessários. Agora, se fazemos alguma coisa para mudar isso, todos nós? Parece-me que não. 

Contudo, desta vez pareceu-me particularmente criticável ou, mesmo, ridículo. A morte, essa sim, é o maior desporto em Portugal, não há dúvida disso. Essa vende em todo o lado, a qualquer momento.

Em Espanha, os jornais dão, há anos, uma atenção muito importante ao Dakar, fazem uma cobertura extensa e, por arrasto, com muitas chamadas de capa, tal como fazem para vários outros desportos. O mesmo fazem vários jornais franceses e alemães. Em Inglaterra, o cricket e o rugby ocupam um lugar de grande destaque, ao lado, claro, do futebol - provavelmente, o melhor do mundo. Por essa Europa, o ténis é um desporto mesmo, o basquetebol uma importante modalidade, a motoGP e a Fórmula 1 existem mesmo, são analisadas e discutidas. O desporto é uma multidão de coisas, de desportos, de atletas, de equipas, de tamanhos e formas de bolas. 

Por cá, onde recentemete foi criado (mais) um canal para falar exclusivamente de futebol, parece que existem cinco desportistas extra-futebol. Falamos da motoGP para falar do português que lá anda, falamos do ténis quando João Sousa brilha num qualquer torneio, falamos de basquetebol e rugby quando... Bom, não falamos. E isto, se me permitem, é uma tremenda saloiice.

Somos um país com excelentes atletas, mas somos fraquíssimos na visão que deles temos. Somos muito bons no futebol, não há dúvida, mas dói a alma quando, num serão no sofá, se correm quase dez canais e todos eles estão preenchidos com painéis a discutir a nova fase do julgamento de Alcochete, qual o tipo de lesão que o Pizzi tem no dedo mindinho, entre outros assuntos que estão a quilómetros do jogo jogado. Nem sequer queria fazer menção a isso, mas somos o país que condecora um treinador de futebol porque ganha uma Taça Libertadores (quiçá justamente, não me cabe a mim decidir) mas se alguém nos disser que quer viver do Rugby, do Judo ou do Basquetebol nós, pura e simplesmente, pensamos em loucura.

É certo que nuestros hermanos têm o Nadal no ténis e tiveram o Alonso na Fórmula 1. É certo que os franceses têm grandes tenistas e os ingleses têm um dos melhores rugbys do mundo, mas a pergunta que deixo é esta: será isso causa ou consequência da forma como se olha para o desporto?

 

Fotografia: Franck Fife (@expresso.pt)