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Vilipêndio

Vilipêndio

07 de Fevereiro, 2023

As pessoas inexistentes

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Drawing by A.L. Tarter, 194?

Não me parece haver dor maior do que a inexistência de pessoas, se as dores fossem conteúdo a quantificar. Assalta-me a ideia que a vida faz-se de pessoas perdidas. Inexistentes. Pessoas que foram e já não são, não são ao pé de nós, não são connosco, ou não são, apenas.

O desaparecimento de pessoas que se cruzaram connosco, por vontade de qualquer das partes ou por uma desvontade que nenhuma canção explica. Esses vários momentos, em que acaba um particular alinhamento dos elementos, dita-nos mais o correr da vida do que o que gostamos de admitir. E lidar.

Por mais que se procure, não há motivo para isso. E não há razão ou ciência que o explique. O tempo equivale a pessoas desaparecidas e pouco mais.

Ao longo dos anos que levamos nos ombros, com o passar da eternidade, a sensação premente é a de que nos faltam pessoas. Elas vão deixando de existir. Para nós ou para o mundo todo. Os braços vão-nos caindo, aos bocados, lentamente, sem darmos conta. Queremos arranjar tantos motivos para o desaparecimento - literal e figurativo - que acabamos a arranjar motivos para tudo menos para isso.

Há pessoas que desaparecem. As pessoas só sabem desaparecer, diria. Outras vezes, fazemos activamente por isso, sem que o querer esteja do nosso lado. A vida e o seu desenrolar não se assistem muito com quereres. 

Não é com quereres que as pessoas nos existem à frente, não ha leis que o exprimam. Ninguém nos ensina nem nunca ninguém nos ensinará como parar de fazer as pessoas desistir de existir.

E lá vão as pessoas desaparecendo, seja para dentro de elas próprias, seja pela vida fora, seja pela morte. 

E a nós, que nos temos de levar, a esta pessoa última que sempre fomos, vamos ficando contentes com a imaginação de uma pessoa, de todas as pessoas, que existiram.