As diferenças na igualdade
Uderzo, 2015
O atentado em Paris foi uma tragédia. Perde-se talento, perde-se arte, perde-se resilência, perdem-se vidas humanas. Atingiu-se uma das mais vitais conquistas da humanidade (ou parte dela): a liberdade de dizermos que preto é branco, que assim é assado, quando e onde nos apraz. O mundo (ou parte dele) uniu-se em torno de uma tragédia que sabiamos que estava para vir. Vimos manifestações pacificas, ou meros ajuntamentos, nas grandes cidades europeias e mundiais, assistimos à massificação do Charlies e a um denresolar de ferozes lamentações de chefes ou vice-chefes de Estado. O que me tem atormentado, diria eu que mais que o atentado ao Charlie Hebdo, é saber que, há menos de um mês atrás, 132 crianças foram abatidas a tiro, numa escola em Peshawar, no longíquo e desinteressante Paquistão, sentadas em secretárias com uma caneta e uma folha de papel em branco à sua frente, e o mundo continuou a andar, sem que a Praça do Comércio se enchesse de gente, sem que nos levantássemos. Os Charlie não são todos iguais. Nós não somos todos iguais. A vida humana tem valores diferentes, dependendo do país onde começa e acaba. E o que realmente dói é imaginar o que seria uma atentado, que subtraisse 132 crianças a qualquer país europeu, e tentar prever todo o orgasmo mediático e solidário que daí resultaria. O mundo perdeu 12 importantes artistas e jornalistas ontem. Mas pelo caminho perdeu 132 razões para acreditar num futuro melhor.