A Festa
Há alguns anos que não ia à Festa do Avante. E que melhor ano para voltar lá do que no 50° aniversário do 25 de Abril?
A senhora na foto, militante n°40 do PCP na zona dela e que tanto quis encontrar o cartão de membro do partido na carteira mas não conseguiu, foi uma boa forma de terminar um festival que é feito paraa juventude, mas não só.
O evento organizado pelo PCP na quinta da Atalaia é um evento diferente de todos, é por demais evidente. Não foge ao facto de ser um evento de cariz político, não se esconde numa pretensa neutralidade. Não sou membro do PCP nem alguma vez fui e estou tão pronto a apoia-lo em algumas das suas lutas como estou pronto a críticá-lo. E se existem críticas a fazer ao partido, ali é o local para trazê-lo a debate. Não existe doutrinação, existe a celebração de um partido histórico mas ninguém é obrigado a sair de lá inscrito no mesmo, ninguém é obrigado a ser o que não quer ser.
E nestes anos que não fui à Festa, tinha-me esquecido de quão especial é. Sente-se a diferença em quase tudo o que envolve o festival durante os três dias. Já fui a muitos e variados festivais, mas neste sente-se a construção de um espaço pelas mãos de gente anónima, não se sente o peso das grandes marcas, não há apoios sem ser o apoio da força da juventude e de centenas de pessoas que se organizam para fazerem da Festa uma realidade. Pessoas de todos os lados do país, como fica evidente nos muitos sotaques que se ouvem e nas diferentes barracas para cada distrito. Pessoas de todos os lados do mundo, da Alemanha ao Brasil, de Angola ao Vietname.
Começando nos eventos, onde o debate político tem a primazia, com uma variedade de temas do interesse de todos e de cada um. Falou-se de Camões, de Amilcar Cabral, de transportes públicos e do passado, do presente e do futuro. A música, a cultura e a arte preenchem boa parte do espaço do evento na quinta da Atalaia e as cores e as mensagens são muitas e variadas.
Por todos os lados, o que mais fica evidente é uma saudável multiculturalidade que é promovida das mais variadas formas. Seja na música ou nos diferentes representantes de vários países, a junção de um mar de culturas num só espaço foi para mim a maior força dos três dias de Festa. Num espaço de alguns metros, é possível comer a comida mais típica do nosso país como comer comida chinesa ou brasileira, enquanto se ouve música típica alentejana ou angolana. A variedade é muita e a variedade é a junção de todas as experiências humanas, de diferentes culturas. Poucas coisas enriquecem-nos mais do que isso.
Já aqui escrevi neste blog que nunca conseguirei afirmar que sou militante de um partido, custa-me seguir símbolos e linhas de pensamento pré-estabelecidas. Quererei sempre fazer parte do debate, mas dificilmente será vestindo a camisola de um partido. E também nunca escondi de que lado do espetro político me aproximo. No Avante senti-me em casa, senti-me rodeado da minha gente, da mesma visão do mundo, da mesma aceitação pela diferença, da luta pelos mesmos ideais.
Falou-se da Palestina e da atroz guerra em Gaza e na Cisjordânia e que colocou o governo iraelita sob acusação internacional de genocídio, mas falou-se da Ucrânia também, ao contrário do que muitos querem fazer crer. Falou-se contra todos os imperialismos e contra todos os ataques aos povos por governos e tendências imperialistas um pouco por todo o mundo.
O Partido Comunista tem bastantes defeitos como todos os partidos invariavelmente têm. Tem pontos cinzentos, coisas mal resolvidas. Contudo tem sofrido ataques desmesurados e sem sentido de uma imprensa que se afasta cada vez mais dos interesses do comum cidadão. Tornou-se insana a forma como atacam o partido que mais criticou Putin e o seu imperialismo desde que ele chegou ao poder e não atacam os governantes de direita que durante anos fizeram vários acordos com oligarcas russos e lhes venderam vistos gold. Não é difícil entendermos o porquê.
As conquistas de Abril têm um enorme significado para mim, apesar de nunca ter vivido em ditadura, respeito muito os milhares que lutaram, às vezes com a própria vida, por estarmos onde estamos hoje: não num sítio perfeito, mas livres.
O medo da diferença parece-me ser das maiores desafios nas nossas sociedades. O ataque a quem é diferente, seja pela cor da pele, pela sexualidade, pela forma de vestir. Ali, naquele espaço no Seixal, durante três dias, a única coisa que interessa é fazer a Festa. É cumprir o desígnio de todos nós, a vida não pode nunca ser só trabalho e responsabilidades, a vida não é só ganhar ou poupar dinheiro e comprar casa ou coisas. A vida é simples diversão, também. E no Avante essa diversão é garantida.