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Vilipêndio

Vilipêndio

17 de Junho, 2024

Um mês no Vietname

No início do ano decidi que queria fazer uma viagem sozinho. Seria a primeira vez que viajava sozinho e decidi que, para a experiência ser tão marcante quanto possível, seria importante sair da Europa e ir de encontro a culturas diferentes e um país distante. Escolhi o Vietname como podia ter escolhido a América do Sul ou África. O Sudoeste Asiático atraiu-me à partida pelo baixo custo de vida, pela fantástica comida e porque há anos que alimento um interesse grande no Budismo. Queria ir à Àsia e por isso a decisão estava tomada.

A viagem começou na capital do país, no norte: HANOI. Chegar até lá desde Paris foi a maior viagem de avião que alguma vez tinha feito e correu melhor do que antecipei, a experiência com a companhia aérea chinesa foi óptima e apesar da escala num aeroporto chinês ter sido estranha (quando comparada com aeroportos europeus, por exemplo) correu sem problemas.

Quando saí do aeroporto de Hanoi, o choque foi instantâneo. Seja pelo facto de estar cansado da viagem de 15 horas , escalas e aeroportos, seja por me ver sozinho no meio da Ásia ou porque rapidamente nos damos conta da diferença de realidades. Acabavam-se, durante um mês, algumas mordomias que damos por garantidas nestas latitudes. Esse momento diria agora, um mês depois do meu regresso, que pode ter sido um dos mais importantes da minha viagem. O quebrar a barreira do medo inicial e meter-me num autocarro onde o condutor não falava um mínimo de ingles, com dinheiro na mão que nunca tinha visto (e com muitos zeros) e rumo a uma cidade que prometia ser caótica. 

E se Hanoi é caótico... Contudo, por dentro do caos, existe uma beleza inexplicavel, uma vida interminável, uma junção de pessoas, cheiros, barulhos e sensações. Uma das primeiras coisas que se torna imediatamente visível é a quantidade de bandeiras que se vê em todo o lado, tanto as do país como as com o símbolo comunista.

Na capital, o que mais destaco foi a experiência que tive na primeira manhã. Devido ao jet-lag acordei por volta das 5h da manhã locais e decidi sair do quarto e ir ver como seria a capital vietnamita na calma da madrugada e início da manhã. E a surpresa foi gigante: para além da cidade não estar de todo vazia, assim que nascem os primeiros raios de sol, a cidade enche-se (mas enche-se mesmo) de gente a fazer todo o tipo de desporto. Vi pessoas com 90 anos a correr, jovens a fazer exercicio e muita, muita, muita gente a fazer Tai Chi. Foi um enormissimo choque de realidades que ficará comigo para sempre. A importância que os povos asiáticos colocam no bem-estar físico ficou, nesse momento, totalmente evidente. Nunca tinha visto uma cidade completamente cheia de pessoas a fazer desporto. O lago que existe no meio da cidade acrescentava uma beleza e um misticismo simplesmente indescritiveis. A partir das 8 da manhã, a cidade começa a ganhar o seu barulho e andança normal, com as pessoas a irem para o trabalho e os jovens para as escolas, mas o que se passa até essa hora é simplesmente fantástico e a maior lição que tirei da toda a viagem.

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Ficaram muitas coisas por ver no norte do Vietname, mas já tinha decidido que queria fazer o país de norte a sul e para isso tive que me conter em alguns gastos, deslocações e restringir o número de dias no Norte. Contudo, como muita gente me disse, o norte do Vietname é uma zona muito especial que merece a sua própria viagem de um mês. É mais rica a nivel natural, de paisagens, as pessoas tendem a ser mais afáveis, e eu arriscaria dizer que é exactamente como no nosso Portugal.

Depois de Hanoi fui até à ilha de CAT BA. Foram apenas dois dias mas foi onde tomei o primeiro banho no Mar Meridional Chinês e onde conheci verdadeiramente os primeiros viajantes. Foram pessoas que fui mantendo o contacto ao longo de toda a viagem e que acrescentaram uma dimensão muito boa a toda a experiência. Seja a canadiana ou a a australiana ou o holandês, todos partilhámos as nossas experiências até esse momento e as nossas vidas no nosso país de origem.

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Depois de Cat Ba, o destino foi NINH BINH. Antiga cidade estratégica imperial, é hoje um sítio bastante interessante que junta uma saudável dimensão turística e uma Natureza absolutamente arrebatadoras. Os passeios de bicicleta à descoberta da envolvência da cidade, o mercado no centro da cidade, tudo em Ninh Binh parecia saído de um filme.

Nesta cidade apanhei uma boleia do pai do rapaz que tomava conta do meu hostel e, na sua moto, levou-me a ver um dos maiores templos budistas do mundo. O nome utilizado para estes templos é Pagoda e neste caso era a Bin Dinh Pagoda, um monumental complexo onde a natureza, a música e os inúmeros templos nos transportam para outra dimensão.

Sempre conhecendo cada vez mais pessoas e viajantes, o desconforto inicial da viagem já se havia dissipado e fui começando a sentir-me como em casa, habituado às diferenças e entusiasmado com o que ainda iria ver e descobrir.

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O destino seguinte, PHONG NHA, é aquele que mais me irá marcar e o que deixou provavelmente as memórias mais duradouras nesta viagem. Phong Nha é uma cidade relativamente pouco explorada a nivel turístico e, por isso, aquela onde mais facilmente sentimos uma autenticidade e um estilo de vida vietnamita que noutras cidades se vai perdendo. Foi nesta cidade que vi das maiores grutas do mundo e onde conheci um vietnamita que me abriu as portas de casa dele com uma naturalidade que, para nós ocidentais, é simplesmente chocante. A vista sobre o rio que cruza a pequena cidade ficará gravada na minha memória e a felicidade que as pessoas demonstram no seu dia-a-dia uma amostra de como o nosso conceito de felicidade não tem de ser o mesmo para o resto do mundo. 

Nesta cidade, fiquei num hostel em que à noite havia um obrigatório "jantar de família" em que toda a gente se juntava e durante largas horas partilhávamos experiências, desde a família local que geria o negócio, a um viajante solitário do Uruguai, passando por um casal de holandeses que ia a meio de uma viagem pelo mundo de vários anos, ou um par de amigas da Nova Zelândia. Todas as vidas se juntavam ali.

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Viajando sempre de autocarro, uns mais confortáveis do que outros, cheguei até ao centro do país. A cidade de HUE, famosa pelos seus alfaiates de altíssima qualidade e a preços bem acessíveis, foi onde tirei alguns dias para fugir aos hosteis e dormitórios e decidi passar dois dias num quarto privado. Foi bom para repôr energias - os hosteis são sítios fantásticos para conhecer pessoas e outros viajantes, onde são poucos os momentos de calma, mas como já passo dos trinta anos preciso de moderar esse caos. Andei quilómetros a pé pela cidade, num calor que ali, no centro do país, começa a tornar-se um obstáculo importante. Claro que sendo português o calor nunca será o problema maior, mas é inegável a diferença que faz a extrema humidade que se sente naquele lado do planeta. Engraçado também observar a forma diferente como as pessoas se vestem nesse contexto, com roupas que ocupam todo o corpo e cabeça porque, para além de ser melhor para manter a temperatura corporal evita exposição aos raios UV que, por lá, são bastante fortes.

Continuando a viagem até Sul, a próxima paragem foi em HOI AN DA NANG. Sítios de praia bonita, limpa e com uma água na temperatura certa, são sítios com mais turismo (nomeadamente turismo oriunda da China e da Rússia), com menos natureza intocada mas onde ainda assim se podem visitar sítios incríveis, como o templo da Lady Buddha. Foi em Da Nang que conheci a primeira viajante portuguesa, um momento inesquecível por conseguir falar a minha língua pela primeira vez em quase três semanas de viagem. 

O destino final era a Cidade de HO CHIN MINH, também conhecida como Saigão. Cenário de grandes desenvolvimentos durante a Guerra do Vietname, era o centro do poder de americanos e seus aliados durante o conflito (Hanói era a capital do Vietname comunista, liderada por Ho Chin Minh) e, por esse motivo, é hoje uma cidade com muito mais influência ocidental e onde por vezes nos podemos esquecer que estamos no Vietname. É essa a diferença que encontra quem viaja do Norte ao Sul do Vietname, são dois países dentro de um. Saigão tem a sua beleza, principalmente para quem gosta de grandes metrópoles, e também o seu caos (bem distinto do de Hanoi). É uma das maiores cidades da Ásia e isso fica rapidamente visivel assim que se chega.

 

Alguns factos sobre a minha viagem:

- A comida é absolutamente fantástica. A primazia pelos vegetais que se vê numa diversidade de pratos, as sopas com noodles deliciosas. A vietnamita é das melhores cozinhas do mundo e foi a primeira vez que senti, como português em viagem, que estava perante uma cozinha que pode rivalizar com a nossa. São muito poucas.

- Em muitos sítios devemos tirar os sapatos e, ao longo da viagem, isso foi-se tornando uma coisa automática quase, principalmente em sítios religiosos como templos.

- Em vietnamita, Portugal diz-se Bao Dao Nha e demorei alguns dias a conseguir dizê-lo da melhor forma, mas a partir desse momento sempre que me perguntavam dizia dessa forma e para além dos óbvios "Ronaldo!", percebi que alguns locais não conheciam o país.

- Os asiáticos têm uma relação bastante diferente com a privacidade do que a que nós temos. É bastante comum ver pessoas dentro de casa com portas e janelas escancaradas, as pessoas comem na rua, faz-se tudo na rua. Porque o calor assim obriga mas também porque na Ásia "nada é privado e tudo é sagrado", como li num livro durante a viagem.

- O país é bastante seguro e tem uma estrutura para o turismo muito bem montada. Foi uma agradável surpresa.

- As motos são uma parte integral da vida vietnamita e vê-se isso desde o Norte ao Sul. Podem fazer muito barulho, mas é impossível negar que poluem bem menos do que os carros e são de um tamanho infinitamente menor que as milhares de SUV que vemos hoje, todos os dias, pelas nossas cidades.

- Foi a primeira vez que viajei sozinho durante tanto tempo e para tão longe e, nos primeiros dias, a solidão que se sente é difícil de lidar. Contudo, com o passar dos dias e com o aumento do conforto, aliado ao facto de se ir conhecendo viajantes, vai tornando a experiência um crescimento a todos os níveis. Na própria solidão existe um crescimento pessoal que não é fácil descrever.

Ficou um texto maior do que os que costumo escrever, mas não queria deixar pormenor nenhum de fora. Irei repetir a experiência de viajar sozinho, por certo. Até lá, continuarei a lidar com todas as sensações, comidas, cheiros, pessoas e paisagens que o Vietname me trouxe.

10 de Junho, 2024

Uma Europa à direita

Os resultados das eleições europeias este fim-de-semana trouxeram a viragem à direita do Parlamento Europeu que já ninguém estranha. Poderia ter sido uma viragem maior, poderá dizer-se, mas o que é certo é  que a Europa, e os principais países do velho Continente, assistem a um crescimento bem importante dos partidos mais à direita.

Se em França Macron tomou a decisão de levar o país a eleições depois do atropelo eleitoral que sofreu do partido de Le Pen, na Alemanha o AfD tem uma subida muito considerável e noutros países mais pequenos, os partidos de extrema-direita ganham um relevo cada vez maior. É a democracia a funcionar, disso não há dúvida. 

Enquanto em Portugal o Chega teve a sua primeira derrota eleitoral, quiçá pelo seu eleitorado valorizar pouco a política europeia e estar mais focado na realidade nacional, o que é certo é que o partido de Ventura se estabeleceu no panorama político e ninguém acredita que dele desaparecerá tão cedo.

A UE tem ameaças actuais e futuras, seja pelas guerras no nosso quintal, seja pela imigração, que farão alguns medos renascer, justificando em parte a escolha de uma fatia importante do eleitorado por partidos nacionalistas, de teor autoritário, que querem fazer deste Continente um mundo entre muralhas, um mundo de ressentimentos e divisões. Os medos, seja do futuro ou do presente, serão sempre uma força maior quando nos cabe colocar a cruz no dia das eleições. É pena que o medo das alterações climáticas ou do aumento das desigualdades não tenha a mesma força na hora de votar.

É difícil conciliar a emergência destes partidos a nível europeu com o projecto original da UE: a integração, a solidariedade e a paz. A UE que vem aí, aparentemente, pouco terá destes valores. 

Que ninguém se esqueça da última vez que a Europa virou tão à direita. Há algo terrivelmente tóxico em todos estes partidos e todos sabemo-lo. Passámos quase um século a dizer que a história não se iria repetir e ela parece estar a repetir-se. E, pior que tudo, parece haver bastante gente que não se importa de ver a história repetir-se. E nada nos garante que, desta vez, não seja ainda pior.

Isto tudo parece-me, no mínimo, assustador.