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Vilipêndio

Vilipêndio

25 de Fevereiro, 2023

Um ano depois

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Faz agora um ano que a Rússia de Vladimir Putin decidiu invadir um país na Europa e levar-nos a reviver traumas antigos, que pensávamos enterrados, pelo menos no nosso microcosmos europeu. Este é um aniversário que ninguém queria que existisse.

Há um ano que tentamos compreender como é que, em 2023, o homem ainda resolve discórdias explodindo com prédios, matando civis, invadindo países, cometendo as maiores atrocidades.

Este é um conflito complexo, como todos são, mas é um conflito em que desde o inicio há claramente um agressor e um agredido. A Rússia quer destruir um país, apoderar-se dele e fazê-lo seu. Invadiu a Ucrânia com o propósito de acabar com o país, com a história do seu povo e da sua identidade.

Esta invasão é o ponto principal de uma larga estratégia russa de minar o Ocidente por dentro, com marionetas políticas como Trump e o financiamento de partidos e políticos anti-democráticos, estacionando iates em todas as capitais da Europa, com campanhas brutais de desinformação e propaganda, ou com vistos gold e mecanismos afins, e a estratégia tem dado os seus resultados. A guerra entre a Rússia e o Ocidente porventura nunca acabou, a Guerra continua a ser Fria há décadas e décadas. E hoje, os russos parecem ter a benevolência de países como a China ou o Irão. A escalada no conflito é evidente e que o digam os milhões de ucranianos que a sentem na pele.

O futuro de todos nós joga-se na Ucrânia, como todos percebemos desde o dia 1 desta invasão.

Putin revelou-se o ditador que todos antecipávamos que era, revelou-se o criminoso que todos sabíamos que ele era. Há muitos e largos anos. Andámos em negação muito tempo e a factura paga-a agora o povo ucraniano, por não termos sabido actuar perante um homem cada vez mais alienado da realidade, autoritário e, acima de tudo, frágil e ansioso por deixar marca nos livros de História.

Neste ano que passou, viu-se também a forma polarizada com que encaramos as situações limite. E esta guerra é um situação limite. Quem aponta, com algum grau de seriedade, o papel não tão inocente dos americanos na última década no xadrez político no leste europeu, rapidamente é atacado como putinista. Mas a história nunca foi assim tão simples. Querermos fazer desta guerra uma coisa simples, mesmo que com o honroso objectivo de defender o povo ucraniano, pode levar ao branqueamento de acções que devem ser criticadas. 

Todavia, não é difícil compreender quem se irrita com estas posições, dada a brutalidade da invasão russa. Será pertinente apontarmos o dedo à postura nem sempre defensiva dos EUA e da NATO, mas num futuro que não o momento actual. O momento actual é de defesa incondicional da Ucrânia, do seu povo e território. E enquanto a Ucrânia estiver a ser invadida, enquanto forem mortos centenas de civis ucranianos todas as semanas, apenas pode existir um vilão nesta história.

Vladimir Putin é um criminoso de guerra e terá de responder por isso. Tem de sair de onde está, pelo bem da Ucrânia, da Europa, da humanidade. 

Esta é a guerra dele e do seu regime. É a guerra que ditará parte do futuro da nossa Europa, das nossas democracias.

Um ano depois, a única coisa que vimos foi gente morta, gente desalojada, gente desesperada, gente arrastada para a guerra, pessoas que se vêem a ficar sem país, sem família, sem tecto, sem nada. 

A guerra tem de acabar. 

O único desejo que podemos ter é que, quando isso finalmente acontecer, a Ucrânia, mesmo que de rastos, seja uma realidade e que Putin esteja onde merece: a apodrecer na prisão.

07 de Fevereiro, 2023

As pessoas inexistentes

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Drawing by A.L. Tarter, 194?

Não me parece haver dor maior do que a inexistência de pessoas, se as dores fossem conteúdo a quantificar. Assalta-me a ideia que a vida faz-se de pessoas perdidas. Inexistentes. Pessoas que foram e já não são, não são ao pé de nós, não são connosco, ou não são, apenas.

O desaparecimento de pessoas que se cruzaram connosco, por vontade de qualquer das partes ou por uma desvontade que nenhuma canção explica. Esses vários momentos, em que acaba um particular alinhamento dos elementos, dita-nos mais o correr da vida do que o que gostamos de admitir. E lidar.

Por mais que se procure, não há motivo para isso. E não há razão ou ciência que o explique. O tempo equivale a pessoas desaparecidas e pouco mais.

Ao longo dos anos que levamos nos ombros, com o passar da eternidade, a sensação premente é a de que nos faltam pessoas. Elas vão deixando de existir. Para nós ou para o mundo todo. Os braços vão-nos caindo, aos bocados, lentamente, sem darmos conta. Queremos arranjar tantos motivos para o desaparecimento - literal e figurativo - que acabamos a arranjar motivos para tudo menos para isso.

Há pessoas que desaparecem. As pessoas só sabem desaparecer, diria. Outras vezes, fazemos activamente por isso, sem que o querer esteja do nosso lado. A vida e o seu desenrolar não se assistem muito com quereres. 

Não é com quereres que as pessoas nos existem à frente, não ha leis que o exprimam. Ninguém nos ensina nem nunca ninguém nos ensinará como parar de fazer as pessoas desistir de existir.

E lá vão as pessoas desaparecendo, seja para dentro de elas próprias, seja pela vida fora, seja pela morte. 

E a nós, que nos temos de levar, a esta pessoa última que sempre fomos, vamos ficando contentes com a imaginação de uma pessoa, de todas as pessoas, que existiram.

06 de Fevereiro, 2023

Quem manda no final

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As imagens que chegam do terramoto na Turquia e na Síria são absolutamente devastadoras. A tragédia ainda nem sequer está totalmente contabilizada, os abalos ainda se sentem, o pó do trauma ainda não assentou. Os mortos ainda se contam. 

Não há muito a escrever sobre mais uma perda inimaginável de pessoas, animais e bens, mas há muito a sentir e discernir na pequenez de todos nós perante tais forças. É como se durante aqueles segundos, pudéssemos ver a suspensão total da noção de vida que temos. A suspensão das leis que nos regem no dia-a-dia. O desmontar total de hierarquias, de poderes e de forças. O fim da ilusão que controlamos o nosso amanhã. Tudo muda, a terra está a tremer. 

Durante segundos, a noção da existência altera-se como nunca nos acontece em momento algum da vida. Nem mesmo um vulcão ou um furacão parecem ser comparáveis aquilo que transmitem as imagens de um terramoto daqueles.

A terra tremer, tudo abanar. Tudo isto de um segundo para outro, sem qualquer aviso. A terra tremer e não parar de tremer. Durante segundos tornado horas, porque o tempo é outra das coisas que morre naquele momento. O tempo passa a ser um caminhar lento, e o tempo nunca mais é tempo quando o que nos apoia o corpo não pára de tremer.

Nunca deixaremos de ser pequenos enquanto vivermos num planeta como este, em que quem manda é definitivamente a natureza e as suas leis. Nunca seremos pouco mais que ninharia, um fragmento impotente. 

Enquanto precisarmos de chão para andar, a terra é a dona do nosso destino. O mesmo destino que foi arrancado a milhares de pessoas na Turquia e na Síria e que deixou em milhões a certeza que, no final de contas, não passamos de convidados num planeta traiçoeiro.