Cem
Cem anos de Saramago. Como se um homem daqueles pudesse ser mensurável por coisas tão requintadamente poucas. Cem, como se Saramago fosse contável por números parvos e ideias pré-feitas.
Ele, se cá andasse ainda, provavelmente diria que cem é um sem sem s, ou uma outra distinta coisa que nos deixaria a pensar no sentido de sentir e da vida.
Não era um homem fácil. Dificilmente um homem assim seria. Ser fácil era-lhe difícil, tornando-se mesmo impossível.
Outra coisa que ele provavelmente diria, nesta solene ocasião dos seus cem, é que os que estão cem comida é que interessam. Ou os que estão cem esperança.
Ou poderia dizer que os nossos governantes estão cem memória. Era algo deste género que ele provavelmente iria apontar.
Mas ele já não existe nem escreve. Porque a nossa eternidade nunca foi eterna e todos o sabemos e ignoramos. O que de nós fica é lembrança variável, consoante a medida em que levámos a vida.
Com Saramago, a lembrança é vasta.
O que ele escreveu, o que aquele génio imaginou e escrevinhou em páginas em branco é a eternidade que nos é possivel. São todos os mundos que uma mente consegue pensar, racionalizar e por todos os caminhos por onde pode viajar.
Havia uma mensagem por trás, todos vamos sabendo qual é, basta ouvir, ler. Com ouvidos e com olhos de gente.
E os cem anos de Saramago deviam-nos lembrar que a genialidade do homem não se esgota nessa obra, mas sim no cumprimento dos ideais por trás da obra. Por trás de tudo.