Dois mil e vinte um
Uma das mais curiosas histórias que soube este ano aconteceu na estação britânica BBC, no longínquo ano de 1930.
Por esta altura do séc. XX, em que o televisor era ainda uma invenção mais próxima da bruxaria, criada por mentes alucinadas, a estação radiofónica da BBC era já agregadora de massas, juntava a quase generalidade das famílias todas as noites para o boletim informativo. Era um momento solene, recheado de simbolismo, era aquela voz a responsável por trazer as novidades do mundo que existia para além dos limites do pequeno mundo de cada um dos lares em Inglaterra. Eram dois boletins por dia, sendo que o restante tempo de emissão era ocupado por uma monótona mas tranquilizadora música de piano, que rapidamente também se tornou apanágio da estação.
No dia 30 de Abril desse ano, quando a noite chegou e a hora era de notícias, a rádio que todos ligaram trouxe-lhes o seguinte anúncio: “Boa noite. Hoje não há noticias.” E assim, em meros segundos, estava feito o boletim. A notícia daquele dia era que não havia notícias. E, por isso, logo pôde entrar a música de piano e as famílias prontamente retomaram a sua noite, descansadas porque, tirando pormenor aqui e ali, a noite chegava como a anterior, tudo permanecia igual no país e no mundo.
Um dia sem notícias. Quão pacífico, quão surreal, à luz destes nossos olhos de agora. Tentar imaginar um dia que culmine num anúncio destes parece mentira, faz pensar que nesse dia o planeta não girou e que o sol nem se deu ao trabalho de se levantar. Um dia sem notícias é tão impossível e inconcebível no nosso mundo actual que só pode ser anedótico.
Passados mais de 80 anos a televisão já é de toda a gente e mais alguma, e, sem darmos conta, criámos uma imensa fome de encher a cabeça de um e de todos com aquilo que não é notícia mas sim acontecimento. E por isso deixaram de haver dias sem notícias.
Com tantos sítios para olhar, já não sabemos para onde realmente olhar. Queremos saber tudo, aparentemente, mas não nos damos conta de que nos perdemos nesse processo. O que sabemos, por ser tanto, acaba por ser maior que nós.
Pareceu-me esta uma boa história para encerrar e guardar este ano que acaba agora. Um ano com tanta coisa que é coisa demais, acontecimentos demais, pessoas e comentários demais.
Mas como o andar do Sol e do planeta não se faz rogar com muita coisa, nem mesmo com pandemias, claro que acaba mais um ano, obviamente, tão rápido e fugaz quanto as nossas vidas.
E agora não podemos fazer outra coisa se não o sonhar, o projectar e depois, com alguma certeza, acabar no inevitável adiar.
No próximo dia 1 tudo começa como novo, ou começa outra vez, repetido e sabido, logo veremos.
Não há de trazer grandes mudanças, como sempre acontece, mas que traga ao menos um dia sem notícias. Isso sim seria memorável.
IMAGEM
Retirada deste artigo na Forbes
International Noise Awareness Day: Not just deafness, noise pollution can cause stress, mental illnesses, and even cancer