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Vilipêndio

Vilipêndio

22 de Novembro, 2021

Cápsulas, para que vos quero

 

Consigo lembrar-me com algum detalhe da arte do meu pai em tirar cafés, quando eu era menino de ter poucos anos. O processo repetia-se várias vezes ao dia: o manípulo que fazia o barulho do costume em cima do balcão, as borras que iam para o lixo, o moínho que fazia, também ele, um o senhor barulho e o belo café que depois se bebia.

Beber café nunca foi muito diferente disto. E se há coisa que sempre se consumiu e muito é o café. 

Contudo, vivemos num mundo em constante evolução, não é coisa de agora. As tecnologias mudam-nos a vida sem nós darmos, muitas vezes, por isso. Hábitos que mudam, rotinas que se alteram porque algo foi inventado, melhorado, automatizado.

A meu ver, nem todas estas inovações são assim tão boas. Nem todas estas melhorias são, de facto, melhorias. 

As cápsulas de café, para cada café, são coisa recente mas que se tornou absolutamente dominante nas nossas casas e em muitos outros locais. Como sempre nestas transacções do mercado e da inovação, estamos a pagar mais caro por mais rapidez, mais praticabilidade. Ou seja, tornam-nos mais preguiçosos, a mal da nossa carteira e do ambiente. Não tenho a certeza que todos tenham acordado estes termos de forma totalmente consciente. Foi criado todo um novo mercado para vender café, seja o Clooney e a sua Nespresso, sejam as outras imensas marcas que, subitamente, passaram a comercializar um sem-fim de cápsulas de café.

Que o mercado está muito pouco preocupado com o ambiente e a nossa pegada ecológica, já todos temos presentes. Que o mercado, e a incessante procura pelo lucro, irá destruir o nosso planeta, é mais do que evidente. Contudo, não temos de ser espectadores silenciosos desta mesma destruição.

É por isso que vou comprar uma máquina de café, uma máquina de café a sério, que me fará pagar novamente uns cêntimos por café sem precisar de carregar com caixas e caixas de cápsulas. Sem precisar de armazenar cada café que bebo numa cápsula de plástico, como se o meu dia fosse tão curto e eu tão importante que assim tenha de ser. 

Sei bem que existem cápsulas reutilizáveis mas penso que seja correcto dizer que a grande maioria não as utiliza. 

É algo ingénuo falarmos sobre tudo o que se passou na COP26 e esperar que tudo mude, sem começarmos, nós mesmos, a repensar todas as pequenas coisas do nosso dia a dia que não fazem assim tanto sentido.

As cápsulas de café são, a meu ver, um dos exemplos mais absurdos de quão gratuitamente nós encaramos o planeta onde vivemos e de quão egoístas, preguiçosos e alheados nos vamos tornando nesse processo. 

09 de Novembro, 2021

O regresso do caos

O covid não acabou e tudo indica que não acabará por obra mágica do destino. Ele continua entre nós e até parece que vem aí uma quinta vaga. 

Contudo, é difícil não sentir, nos últimos tempos, uma sensação de regresso à normalidade. Seja lá o que for essa normalidade e quão normal ela, de facto, é. 

Adianto já a minha opinião: esta normalidade é-me tudo menos normal. Esta normalidade mata-me, devagar e eficazmente. Espero, a bem da minha sanidade, que não seja caso único. 

O regresso a uma vida pós-confinamentos, pós-distanciamentos e pós-tudo o que passámos nos últimos dois anos está a deixar em mim uma vontade enorme de expressar um sentimento que eu não queria carregar, uma saudade que eu não queria ter. 

Penso nem ter coragem de o dizer em voz alta, é inexplicavelmente ridículo e de uma insensibilidade infantil, mas aqui vai: vou ter saudades da pandemia. 

Considero este blog um espaço onde a minha liberdade de expressão é máxima, e utilizo-o como expurga de muitas e complexas coisas. Esta é uma delas. 

Tenho saudades de me ver na Avenida da Liberdade, saído do trabalho, e estar sozinho nela. Tenho saudades da cidade ser dona dela mesma, de poder respirar sem ser ar saído de escapes, tenho saudades de quando a cidade não era um alvo de milhares e milhares de turistas embrutecidos pela vontade de pôr a melhor foto no instagram. 

Foram meses bastante duros para todos nós, vimos e vemos ainda muita gente morrer à conta deste vírus, mas durante algumas semanas, sinto que o mundo e as nossas vidas foram aquilo que deviam ser sempre: calmos, sem barulho, sem caos, em sintonia com o tempo da natureza e com a calma que nos é inata. 

O regresso à normalidade trouxe a aberração do trânsito, pior ainda que antes, porque se já antes havia pouca vontade de nos enfiarmos em autocarros cheios, parcos e atrasados, agora então essa vontade diminui muito. O regresso à normalidade trouxe o total caos do estacionamento, em algumas partes desta cidade, para níveis já perto da guerra civil. O regresso à normalidade trouxe tudo o que já não era normal antes e agora se tornou aberrante. 

No meu trabalho, há pessoas a ir ainda mais cedo que antes para arranjar lugar, há pessoas a chegar ao trabalho às 6:30 da manhã para arranjar estacionamento e pouparem-se ao interminável trânsito. E não é só uma pessoa, são muitas. Estamos a tornar-nos reféns de carros e lugares de estacionamento, seja no trabalho ou no regresso a casa.

Carros em cima de carros, gente com pressa e com muitas raivas escondidas. 

Todos nos vamos lembrar das semanas em que vimos o mundo, subitamente, sem seres humanos. Ou, pelo menos, sem tantos seres humanos e carros e o seu barulho e o seu estacionar. Todos teremos sempre presente que o mundo foi literalmente outro durante uns dias, foi prova suficiente que isso é possível, se apenas houvesse vontade. 

Agora, ninguém sabe bem o que aí vem no que toca a esta pandemia e como será o futuro próximo. Mas penso que já é hora de dizermos, com alguma certeza, que ela não serviu para mudarmos para melhor.

Na semana derradeira da COP26, em Glasgow, onde os líderes mundiais tentam (ou esforçam-se por parecer que tentam) assumir medidas concretas de combate às alterações climáticas, penso ser altura de todos, todos mesmo, dos líderes às crianças, dos ricos aos pobres, de altos e magros, do Sul e do Norte, pensar como queremos que seja a nossa passagem pelo planeta e como, acima de tudo, iremos nos mover nele. Os carros estão a ganhar uma batalha importantíssima há décadas. Agora chegou a hora de repensarmos.

O nosso futuro terá, certamente, covid, mas não tem de ter tantos carros.