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Vilipêndio

Vilipêndio

25 de Outubro, 2021

Vem aí chuva

vilipêndio

 

Os meteorologistas dão como certo o fim do Verão para esta semana, há que esperar uma descida da temperatura e chuva.

O Verão acaba para todos, não é só para alguns. Não estava a morrer de saudades mas admito que sinto falta de noites frias, em que dormir não parece uma epopeia de trabalho e suor. 

Suor, aquilo que é preciso curiosamente para fazer aprovar um qualquer Orçamento. 

 

O calorzinho foi bom, aqueceu-nos a alma. O consolo de um colo quente é uma necessidade que não cessa de o ser depois do crescer.

Agora, contudo, aproximam-se nuvens carregadas e a chuva vai aparecer. Algum frio é provável. 

Dizem, também, que há um Orçamento que não há forma de ser aprovado e o tio Marcelo já disse ao que vai. A esquerda meteu-se numa bela alhada, uns dirão por força de carácter e outros dirão por teimosia desleixada e irresponsável. Há quem diga tudo para justificar o que ninguém realmente congemina: a meteorologia.

Posto isso, o Inverno vem sempre. 

No Governo e na política, tal como na vida real, o Verão não pode durar para sempre e todos nós o sabemos. 

Bloco e PCP foram o Inverno que se aproximou, como sempre, aquilo é gente conhecida e que vem sempre, de roupa cinzenta ou em arco-íris, não há quem os entenda. 

O sol não pode brilhar sempre e para sempre, a luz invariavelmente torna-se em escuridão e a chuva e o cinzento chegam como nos chega tudo o que tem de chegar, quer queiramos quer não. 

Agora, quiçá, irá haver eleições. E chuva, também.

Do outro lado do mau tempo, aquele à direita, veremos que outra tempestade teremos que enfrentar. 

Enquanto Orçamentos não se aprovam, o Inverno vai chegar, para não termos a mania que somos alguma coisa.

Usem casaco e votem, se se der o caso. 

22 de Outubro, 2021

Um viver diferente

vilipêndio

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Numa semana em que o tema principal foi o preço dos combustíveis, a vontade que tenho é de ignorar totalmente esse assunto. Se por um lado concordo com quem vê a sua vida mais difícil ainda pelo preço exorbitante dos combustíveis, acho também que a atenção que damos aos carros se está a tornar algo patológico na nossa sociedade. Não consigo escolher um lado porque o meu lado - diria - é noutro lado.

Há muito tempo que tenho sensações complexas que não sei bem explicar. Dou exemplos:

Custa-me horrores passar pelo IC19 a uma hora de ponta e ver uma enchente de carros de um lado e outra enchente de carros do outro. Há muito tempo que me faz confusão a forma como entregámos quase por completo as nossas cidades aos carros e aos condutores e como ignoramos, por completo, o efeito nefasto que esse hábito tem no planeta. No único planeta que temos.

Faz-me confusão que cem pessoas utilizem cem carros para ir para o trabalho sem nos podermos juntar, sem que possam ser, pelo menos, cinquenta carros a levar essas cem pessoas. Faz-me igualmente confusão que continuemos a ter um sistema de transportes públicos que está a anos-luz do que uma capital europeia merece e precisa. 

Por outro lado, ir ao supermercado é para mim outra fonte pródiga de desconfortos: ver frutas embaladas, utilizar quatro sacos para quatro tipos de vegetais diferentes, ver coisas embaladas dentro de embalagens que, por sua vez, têm outra embalagem muito bonita por fora. Tudo isto me parece absurdo. 

A distância que criámos entre nós e o planeta que nos criou há milhares de anos tornou-se inaceitavelmente grande. A natureza e a biosfera parecem ter-se tornado coisas tão longínquas que nem estão na mesma realidade que nós. É como andar numa ponte cujos apoios estão a ruir e nós continuamos a passar por cima dela, como se nada fosse.

Não foi assim que a espécie humana evoluiu ao longo de milhares de anos, a nossa felicidade não reside em nada do que nos estão a dizer há anos e anos e nós começamos, agora, a acordar para isso. Há algo muito primitivo em nós que deseja coisas básicas mas que deixaram de ser fáceis de obter no mundo actual. Ignoramos, diariamente, milhares de anos de comunhão com o planeta, animais e, mesmo, entre nós. Deixamos de ser uma comunidade para sermos um mar de individualidades. 

Causa-me uma enorme espécie que aceitemos tudo isto como normal, mesmo perante uma imensidão de dados que apontam para uma necessidade urgentíssima de mudarmos um grande número de hábitos na nossa vida. Não temos que passar a comer apenas uma vez por semana, não temos que deixar de tomar banho, nem temos que ir a pé de Lisboa a Sintra. Esses parecem ser os argumentos de uma ala conservadora da nossa sociedade que acha que temos é que nos calar com isto tudo e manter tudo igual, que os carros não são assim tão nefastos e que esta conversa das alterações climáticas é mais uma moda que outra coisa. 

Tudo me faz confusão porque tudo isto parece uma brincadeira de mau gosto. E andamos a brincar com algo que tem um valor incalculável: o nosso planeta. O planeta onde viveremos nós e todos os nossos filhos e netos. É inconcebível como nos achamos seres tão superiores que, ainda hoje, seja difícil começarmos a mudar hábitos tão pequenos.

Deixamo-nos levar totalmente por um voraz sistema capitalista que mete acima de tudo o sucesso monetário e não a preservação de um planeta único, que mete a competição e o individualismo à frente da comunidade e que põe o dinheiro, sempre o dinheiro, acima de tudo isso. Sejam carros ou fruta embalada, o objectivo é gastarmos dinheiro, sejam quais forem as consequências. 

E isso tem de mudar. Rapidamente. 

Posto isto, entre outros hábitos que tentei mudar nos últimos tempos (o plástico, o raio do plástico!) comecei a fazer compostagem em casa. Para quem não sabe, deixo a sugestão da página da mudatuga no instagram, um projecto fantástico de partilha de informação sobre a compostagem. Não sei ainda muito, só sei é que tenho uma vontade enorme de diminuir a minha pegada neste planeta. Sinceramente, não me parece haver nada mais importante: não quero ter a melhor carreira do mundo, não quero ganhar imenso dinheiro, não quero ter a melhor casa e o melhor carro e fazer as melhores férias.

Só quero sentir que, nesta minha passagem por este maravilhoso planeta, fiz tudo o que estava ao meu alcance para respeitá-lo e vivê-lo de uma forma simples mas com um sentido de comunhão que parece ser cada vez mais raro. 

10 de Outubro, 2021

Festival Iminente, ou um regresso

vilipêndio

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Pareceu tão surreal quanto natural.

O regresso de uma vida (quase) normal, agora que foi atingido o patamar de 85% de vacinados, é uma notícia maravilhosa, um sucesso gigantesco e uma felicidade indescritível.

Ver pessoas juntas, sem máscara, pode ser complicado ao início mas rapidamente percebemos que nada nos é mais natural que ter uma cerveja na mão e dançar ao som de boa música. Não fomos feitos para viver como temos vivido nos últimos tempos. Todos sabemos por que o fizemos e agora também todos sabemos que teremos que voltar ao que a nossa vida era, não esquecendo nada do que foi aprendido nestes dois anos e nunca esquecendo quem sofreu terrivelmente com esta pandemia e as suas mil consequências. 

Algumas pessoas usaram a sua máscara e, pelo que vi, ninguém as confrontou por isso. Não tinham por que fazê-lo. A liberdade de cada um é isso mesmo, a sua liberdade. Guerrinhas culturais à americana são coisa que pouca gente terá paciência por cá, espero. 

Não creio ter sido o único, no meio daquela multidão, a sentir um orgulho enorme pelo que fizemos nos últimos meses como país e sociedade. 

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O festival Iminente é um acontecimento raro no panorama nacional, o que a trupe de Branko e companhia criaram ali é um enorme hino à música, à cultura e à arte, não apenas portuguesas mas de todos esses recantos do mundo que se encontram em Lisboa, nessa nova Lisboa. Não destroem a cidade e os seus elementos, dão-lhes uma vida que já não tinham, deram um palco enorme ao movimento underground, tiraram-no da obscuridade e tornaram-no cool. E é nesse underground que encontramos frequentemente o palpitar de uma cidade, das suas gentes e múltiplas culturas, é onde se mesclam as pessoas nas suas mil e uma características. 

Num mundo que vê crescer divisões e sentimentos retrógrados de medo e ódio, este festival é um grito de afirmação. Não estamos nem estaremos nunca dispostos a perder esta multiculturalidade de uma cidade que sempre esteve virada para o mundo e que sempre recebeu as gentes de qualquer dos seus cantos. 

Não queremos só ouvir o que sempre ouvimos nem queremos o que sempre houve. Queremos novo, novos sons, novas imagens, novos cheiros e comidas, queremos sentir o mundo a ganhar forma em todas as ruas. 

Ontem, naquele regresso a um normal, a única certeza com que saí de lá é que ser português é tanta coisa e todas elas fantásticas, ser português é ser o país mais vacinado do mundo - porque coisas sérias são coisas sérias - mas é também a cerveja que se bebe ao som de música que junta Portugal à África que há umas décadas chamava de sua. 

Portugal é do Mundo, nunca nos vão fazer acreditar do contrário. O festival Iminente é a prova que não deixaremos que nos fechem e tirem o mundo de Lisboa, de Portugal. 

Parabéns a todos nós e, tal como disse Branko na despedida da noite, que comece o resto das nossas vidas. 

 

05 de Outubro, 2021

Uma tríade de acontecimentos

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As últimas horas foram interessantes para quem acompanha as notícias do mundo.

Para começar, fomos confrontados com mais um mega processo de divulgação de documentos relativos a contas offshore de personalidades de todo o mundo. Como não podíamos faltar à festa, lá se encontram três nomes de portugueses no meio daquele oceano de documentos. Não é que daqui a um mês ainda estejamos a falar disto, ou por ser demasiado longo ou demasiado incómodo, o que é certo é que todos parecemos esquecer estes mega fenómenos de forma bastante rápida, como os Panamá Papers ou outros que tal. 

Que existe um planeta, uma lei, uma realidade para todos nós e outra para as elites já não temos grandes dúvidas. É positivo que saiam estes documentos e é mais do que positivo que se comece a falar sobre essa balança cada vez mais desequilibrada.

De seguida, no 60 Minutos da CBS, outra bomba surgia. Uma whistleblower ex-funcionária do Facebook decidiu revelar alguns dados sobre a sua ex-empresa e, entre outras coisas, assegurou que o Facebook dá primazia ao discurso de ódio e de divisão porque isso traz mais visualizações e - é fácil de chegar lá - isso significa mais lucros de publicidade. No fundo, o que Frances Haugen revelou (com a importância de ser uma ex empregada de Zuckerberg) é o que já boa parte das pessoas sabe: o Facebook está a minar a nossa sociedade há largos anos, de forma organizada, planeada, propositada e gerando, com a manipulação de milhões de mentes e a criação de um vício tóxico, um lucro enorme. Interessa pouco se os pilares da democracia sofrem com isso, interessa pouco se milhões de pessoas são levadas para um buraco negro de desinformação ou se milhões de adolescentes sofrem com o impacto destas redes na sua saúde mental, pouco interessa a Zuckerberg excepto o dinheiro e o poder que com ele vem.

Com isto, chegamos ao último ponto desta maravilhosa tríade. O apagão de cinco horas que ontem atingiu as empresas do grupo do Facebook, onde se junta o Whatsapp e o Instagram. Durante cinco horas, o mundo foi ligeiramente melhor. Durante cinco horas, não houve tanto barulho no mundo. Não houve mentiras e ataques pessoais a serem partilhados nos feeds desse mundo nem imagens de miúdas que cresceram a venerar as falsidades que uma imagem do instagram apresenta. Não houve nem uma nem outra. Durante cinco horas, as pessoas tiveram que comer sem fotografar o que comem e sem poder dizer que o estavam a fazer. Dá que pensar se deveras o mundo existiu nessas horas, se girou em torno do Sol e se o vento continuou mesmo a correr entre árvores e rios.

É fácil associar este apagão com a revelação, no dia de anterior, no 60 Minutos. Mais difícil será ligar os Pandora Papers a tudo isso. Mas quem me proíbe, aqui, disso? 

Foram 24 horas interessantes, disso não há dúvida. Muito pó a ser levantado e muitos egos a serem incomodados. 

Uma tríade de acontecimentos que eu, neste meu canto da ignorância e pequenez, não consigo justificar por inteiro. Apenas consigo maravilhar-me com ela e com este mundo que parece estar constantemente a mudar, ao minuto e ao segundo, mas, ao olharmos de perto, percebemos que permanece sempre igual.

Ilustração SR. GARCIA