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Vilipêndio

Vilipêndio

12 de Fevereiro, 2021

Dr. Vitor Cotovio

Nuno Ferreira Santos / PÚBLICO

Ontem, depois de um turno de 12 horas numa Urgência, apetrechado com barulho e mais barulho, caos em cima de mais caos, cheguei a casa e a única coisa que pedia era uma luz a meio gás e a paz de uma música calma. 

Mas liguei a televisão e apanhei a Grande Entrevista da RTP ao Dr. Vitor Cotovio.

E que maravilha, que inspiração. 

Fiquei completamente agarrado ao televisor e - diga-se -, não é todos os dias que uma pessoa nos capta a atenção desta forma, muito menos a partir de uma televisão.

Rapidamente o entrevistado mostrou ser um orador fenomenal com uma postura soberba, um mestre do falar, do explicar. Tudo o que dele emanava assemelhava-se a uma aula com laivos de sessão de terapia. Tudo isto gratuito. E tudo isto brilhante. 

Apesar do tema ser sensível e o que mais marca a nossa actualidade e de ser, por vezes, interrompido pelo jornalista Vitor Gonçalves (que não me parece especialmente talentoso para o ofício de entrevistar, mais ainda depois de o ver ser engolido em directo por Sócrates há uns anos), o Dr. Vitor Cotovio conseguiu, numa hora, mostrar quase todas as qualidades que fazem um bom ser humano. Uma sensibilidade apuradíssima, uma calma estóica, uma visão global do mundo e da nossa sociedade, utilizando um falar simples, organizado, respeituoso e conseguindo-o sempre sem se meter em trincheiras de esquerda vs direita ou qualquer outra das inúmeras guerras e guerrinhas que enchem o panorama da nossa sociedade. Conseguiu explicar, de um ponto de vista humano e social, todas as variáveis que afectam o dia-a-dia das pessoas durante uma pandemia, o que está por trás dos sentimentos de solidão, depressão e insegurança e como a incerteza da dúvida coloca o ser humano num lugar em que ele, para além de não querer estar, não sabe estar. Abrindo, assim, as portas para todo o tipo de negacionismos e teorias da conspiração. 

E o Dr. Vítor fez tudo isto sem precisar de utilizar termos científicos apurados e nomenclaturas finas, sem necessitar de atacar X ou Y. Conseguiu, também, mostrar um saber-estar que - não sei se será de mim -, mas falta cada vez mais na nossa sociedade. 

Mostrou, no meu ver, que para se ser bom basta estar atento, basta ouvir mais, ler mais nas entrelinhas e, acima de tudo, olhar para o outro como sendo igual a nós. 

Se nos pusermos sempre nos sapatos do outro, se virmos os outros como histórias tão complexas como as nossas, com sonhos tão diversos como os nossos, com as falhas e os defeitos que daí advêm, deixamos de ter discussões e passamos a ter soluções.

E se fizermos tudo isso com calma, com a calma do Dr. Vitor, então ainda melhor nos saíremos. 

 

Esta entrevista deu-me esperança. Não que tudo subitamente fique bem, mas sim a esperança que, com mais pessoas assim, o mundo possa e deva ser melhor.