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Vilipêndio

Vilipêndio

26 de Novembro, 2018

As rasteiras da Evolução

vilipêndio

 

A nossa evolução como espécie inteligente e autoconsciente foi um processo muito lento, iniciado num mundo antigo, e contou com milhares de anos de aprimoramento, repletos de pequiníssimas afinações genéticas e comportamentais, de lutas contra o destino e a extinção, de novos mundos descobertos e terras conquistadas. Depois de, com todo o nosso brilhantismo, termos chegado á Lua e termos inventado a penicilina, a Ressonância Magnética e a Bimby, atingimos agora um ponto bastante importante na nossa história. Se realmente não existem erros nesta teoria, a que diz que nos aperfeiçoamos contínuamente, então tudo o que fizemos foi para aparentemente chegarmos aqui.

 

Quando eu era criança, as marionetas eram para mim motivo de fascínio. Por vezes, eram feitas com tamanho primor que pareciam pessoas reais. Era esse o seu principal objectivo, está claro: enganar o olhar. Mas até nas marionetas, tal como em tudo o que fazemos, demos um passo em frente. Agora as marionetas somos nós todos. Bichos reais e de carne e osso. 

E como nós gostamos de o ser. Temos trabalhado arduamente para aqui chegarmos. Foram alguns anos de germinação desta nossa sociedade actual. Agora, sinto que estamos no seu apogeu. Devoramos notícias e pseudo-notícias misturadas no mesmo cocktail, consumimos horas de informação sobre nada, discutimos durante horas na internet sobre nada, dizem-nos qual o restaurante onde ir e o filme que ver, vivemos tudo e passamos ao lado de tudo porque somos guiados em todos os caminhos. Principalmente, no que gastar. Se criam um dia para gastar muito dinheiro, mesmo que muitos itens sejam a metade do dobro do preço, então nós vamos seguramente gastar muito dinheiro. Somos gente bem mandada.

 

Mal sabia o Darwin, quando nos imaginou todo o passado,  que o nosso futuro seria deixarmos de pensar pela cabeça.

 

Fotografia: Impala.pt

 

 

Autor desconhecido

20 de Novembro, 2018

Duas realidades

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Há quem diga que a magia não existe e que é só uma invenção do Luis de Matos. Eu, contudo, creio que ela é bem real e que se pode ver pelo facto de aparentemente existirem em Portugal duas realidades para a mesma realidade, as duas a correr lado a lado uma com a outra. 

Uma das realidades diz-nos que estamos ricos, nasceu um Portugal novo das cinzas da grande crise, os salários explodiram, ganhamos todos que nem uns CEO's americanos, a prosperidade e o mundo descobriram-nos finalmente. E que melhor barómetro deste extraordinário passo em frente do que o valor de uma casa, um bem que é daqueles como a água que bebemos: essencial. Ora, e vendo como as coisas correm no mercado imobiliário nos dias que correm, isto não podia estar melhor. Viver no Algueirão já não é nada do que era, modernas metrópoles como essa estão obviamente a actualizar-se no que toca a preços e hoje viver num Cacém ou numa Amadora já não é para qualquer um. São os novos tempos, em que um T1 a 200 metros da Cova da Moura pode custar 600€ por mês. Não é de admirar, a beleza histórica tem que se pagar.

 

A outra realidade, que caminha junto com esta, é a realidade em que tudo está basicamente na mesma. Nem muito melhor, nem muito pior. Ganha-se o mesmo, tirando euro ali e aqui. Todas as pessoas que conheço estão a ganhar o mesmo do que há uns anos. Enquanto isso o preço da vida é coisa que só sabe aumentar. Viver na Amadora, numa casa - vá lá - normal pode custar um salário. Sim, pelo que eu sei há algumas pessoas a ganhar o salário minímo e coisas muito parecidas a isso. São mais de várias, pelo que dizem algumas fontes. Soube de uma casa, como exemplo do ridículo, que há 10 anos era alugada por 100€ por mês e hoje o valor pago é de 550€, sem que nada dentro das suas paredes tenha mudado. Tudo isto, sabemos nós, como belíssimo resultado social da loucura que se instalou à volta de Sua Excelência Lisboa. Se viver dentro dela hoje é coisa para carteiras muito específicas, o que à volta dela se instala, as vistas de Sintra e arredores parece que lhe estão a agarrar um pedaço do brilho a ouro. 

Eu, que nunca consegui nem almejei um bilhete para a WebSummit, nem tenho nenhum hostel para pôr a render, nunca tive um cargo em inglês nem tenho experiência em startups, que apenas tirei o meu curso e acabei a exercer num hospital público, vejo hoje Lisboa por um canudo. Lisboa é outra realidade, outro mundo. Não é para mim, certamente. 

 

Parece-me que esta segunda opção é a nossa verdadeira realidade. É certo que não será a de todos, mas não nos façam crer que subitamente isto se tornou um país de ordenados chorudos à moda sueca.

Ou então façam. É esse o poder da magia, não é?

 

 

04 de Novembro, 2018

Assobia que estás a pagar

vilipêndio

 

O futebol, como já tive oportunidade dizer neste blog, ocupa o lugar dos sete ofícios. É tudo o que possamos imaginar ou querer. É o desporto-rei, afoga mágoas como vinho e excita almas como poucas coisas. Agora, o que têm escoltas policiais de indíviduos até um estádio de futebol a ver com isto, e o que tem isso de tão interessante para que seja motivo de directo televisivo? Não sei, é uma pergunta que deixo no ar.

As televisões portuguesas estão a tornar-se especialistas em fazer soar agressivo tudo o que rodeia o futebol, é uma empreitada e pêras. Estão a ter resultados excelentes nisso, há que dizê-lo. Por achar que uma coisa depende da outra, ou nasceu porque a outra quis, chego ao motivo para este texto: o comportamento do adepto português no estádio.

 

Para além de estarmos a destruir a olhos vistos o futebol, fazendo dele tudo o que não é, enchendo-o de lixeira acessória e mexericos ridículos, o nosso comportamento num estádio de futebol é digno dos livros de história. 

Já todos vimos grandes clubes no mundo serem assobiados, faz parte do desporto assim como a crítica e o desapontamento dos adeptos. Contudo, em Portugal o fenómeno é diferente. O adepto vai para o estádio não para apreciar um espectáculo mas para ver o que estes gajos fazem. Tudo é bonito e corre bem, até a equipa entrar numa má fase. Aí, na fase em que os fundamentos do desporto diriam que o adepto entrava para galvanizar, o que acontece é que chega a ser um verdadeiro adversário da equipa que "apoia". Essa equipa, em má forma e com a moral em baixo, chega ao seu estádio e aos cinco minutos com dois passes falhados tem um estádio a cair-lhe em cima. Anda uma pessoa a pagar para isto?, ouve-se. Deixem-me dizer que não me parece fazer sentido nenhum esta abordagem. É como comprar um bilhete para o teatro e a meio do primeiro acto estar a mandar tomates e a apupar o elenco. 

Não há nenhum jogador que vá jogar melhor com o próprio estádio a assobiar a equipa, o nervosismo que isso impõe a um atleta deve ser respeitável, portanto o que o adepto na realidade consegue fazer é diminuir as hipóteses da sua equipa ganhar, feito pelo qual ele pagou uns euros para ver atingido. Não pode mesmo ser uma estratégia inteligente esta. 

O futebol devia ser puro entretenimento mas, em Portugal, até o entretenimento é uma dor de cabeça, um fado pelo qual só resta reclamar.

 

 

P.S. - Depois de ler este excelente artigo do Maisfutebol, que assenta noutra interessante questão relativa ao futebol, a volatilidade do posto de treinador e a desculpabilização de todos os outros elementos, lembrei-me que Peseiro já foi chutado para canto e Rui Vitória para lá caminha. O assobio não pode ser inocente nisto, meus amigos.