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Vilipêndio

Vilipêndio

15 de Setembro, 2018

CP - Caos de Portugal

vilipêndio

 

 

Tenho a distinta sorte de ser utente assíduo dos comboios da CP, a Linha de Sintra é a minha terceira ou quarta casa nos últimos anos e dela já tenho três livros inteiros de histórias para contar. Foi dessa forma que fiz a faculdade, Campolide como destino, e é dessa forma que me faço até ao trabalho, agora. É rápido, chegar ao Rossio em cerca de 20 minutos sem a dor de cabeça de estacionar é uma maravilha, e na possibilidade de ir a ler quase se torna um momento de puro prazer. 

 

Contudo, tudo isto apenas é verdade quando não estamos a falar do intervalo muito especial de horas entre as 7 e as 9 da manhã. Aí muda o cenário, o filme torna-se de terror, o caos instala-se. Depender dos comboios para fazer uma vida em Lisboa é como ser refém de um grupo de sequestradores sem cara nem vergonha. Da faculdade lembro-me das inúmeras greves que colocavam em causa tudo, aulas e frequências que tinham de ser adiadas por esse motivo, faltas que não se justificavam, esperas de horas em estações, eventos perdidos, e lembro-me também dessas greves nada mudarem, como costuma ser apanágio dessas mesmas cá em Portugal. Vêm-me à memória idas até Campolide em que as carruagens iam para lá de lotadas, em que mulheres com filhos de colo quase asfixiavam ou senhoras idosas que por pouco não caiam nos carris, numa viagem que chegava a roçar a cenário de guerra, e recordo-me de, entre amigos, nos perguntarmos quando seriam as greves da CP para este mês, por serem certeza da vida como o jogo de futebol ou a jantarada entre todos.

O que mudou desde aí foi aquilo que se esperava: nada. A faculdade já lá vai, o tempo passou, mas os comboios, que também vão passando, fazem-no com menor frequência, com mais supressões, contando-se as mesmas greves, bem colocadas à sexta ou à segunda-feira, que seguindo a conhecida linha de raciocínio nada vão alterando. Como tudo isto não podia ser mau o suficiente, os preços dos passes por tão impecável serviço aumentam, fazendo com que a minoria que realmente o paga saia como a figura patética no meio disto, de manhã metade do comboio é preenchido por pessoas que não pagam, a facilidade é demasiada. Há estações, e não são poucas, onde pagar é apenas uma questão de dignidade pessoal, porque não fazê-lo não impediria de todo andar no comboio, visto que nem revisor existe de manhã.

 

Escrevo isto depois de uma semana em que vi comboios lotados de seres humanos para lá de todos os limites físicos, pessoas a serem empurradas até cairem, comboios suprimidos sem se perceber porquê, uma semana em que cheguei duas vezes atrasado ao trabalho, depois de ter gasto 40 euros no meu passe. Cheguei à conclusão que não falta muito tempo para acabar com isto e me despedir de vez do comboio, a minha paciência, ao contrário da falta de noção da CP, esgotou-se. E um refém, assumindo que não sofre de Síndrome de Estocolmo, não deixa nunca escapar a oportunidade de fugir.