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Vilipêndio

Vilipêndio

24 de Julho, 2018

O Verão deixou-nos

vilipêndio

 

Depois dos Sócrates, das troikas, de Junckers e Merkels, depois dos Novos Bancos e das Caixas mal-paradas, eis que nos acontece algo realmente surpreendente. Fomos finalmente abandonados por aquilo que nos fazia especiais e por aquilo que pensávamos que nos era eterno: o calor. Não o humano, que esse continua (caro) por cá, mas o calor verdadeiro, o literal, o calor que faz suar e tirar a roupa, que nos faz beber água e querer mergulhar nela também, que nos dilata as artérias e as vontades. 

Sempre fomos este país, que não era mau mas ficava longe dos melhores, esta nossa muito nossa mediania, sempre olhámos para os outros com vistas de baixo para cima, invejando, almejando o que eles têm a mais que nós. Mas também sempre conseguimos dizer-lhes que, na falta do óbvio, ao menos tínhamos o sol, um velho amigo infalível. Tínhamos o calor, as noites de verão em que o sol estar ou não estar pouca diferença fazia na temperatura, praias que obrigavam a passar uma tarde de refastelada preguiça, bronzeados que apagavam as dores da vida.

E agora tiram-nos isso. Com que direito?

Como lidar agora com esta mediania se não há nada que nos faça esquecê-la? Que resposta dar a quem pergunte "mas que raio estás tu, com a tua idade e currículo, ainda a fazer em Portugal?"

Tragam lá o Verão de volta antes que comecemos a pensar seriamente nisto. 

15 de Julho, 2018

Vivamos o absurdo

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Ilustração L'absurde. C'est absurd   Christophe Marques | Instagram: not_from_

 

A vida não faz sentido. E isso já não devia doer, mas dói. 

O nosso nascer e o nosso morrer não trazem significado especial ao universo. E isso dói mais que tudo. 

Esprememos, torcemos e esticamos aquilo que não é nada nem sequer pode ser nada, levados por uma razão constante e viciante, albergue de um egoísmo tão infrutífero como doentio.

A ordem e o pensar fazem-nos esquecer que a inexistência de um sentido - o Absurdo definitivo - pode ser o culminar da vida, a liberdade final do indivíduo. Quando deixamos de procurar um significado, partimos à busca de tudo o resto, vamos à descoberta do que falta à vida, mesmo não sabendo o que ela é.

Aceitar o absurdo da vida é rirmo-nos dela e seguirmos em frente.

 

 

10 de Julho, 2018

Vem devagar, futuro.

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O Diário de Notícias deu, há uns dias, um passo rumo ao futuro. Passou a ser maioritariamente um jornal digital, seguindo tendências, vontades e dinheiros, pondo fim a uma grande fatia da sua história, que acompanha a história do país e das suas gentes há 154 anos. E a pergunta que consigo arrasta é aquela já conhecida: vão acabar os jornais em papel?

Não consigo imaginar que a resposta seja sim. Irá toda a nossa leitura passar para o ecrã, de poucas polegadas, de um qualquer engenho tecnológico? Livros, jornais, revistas, artigos, teses, ensaios, tudo será confinado a um conjunto de pixéis?

Não quero ver os meus filhos ler O Principezinho sem o barulho da página que vira, sem a paixão física e estranha que acontece entre alguém e um amontoado de páginas impressas. O amor é tanta coisa que também pode ser isso. E, quando se ama, toca-se, estima-se, por vezes amachuca-se, para depois arranjar e estimar mais ainda. É provável que, quando tenhamos perdido o contacto físico com os livros, tenhamos, no caminho, perdido muita coisa mais. 

Creio, honestamente, que é uma atitude expectável por parte de um jornal, nos dias que correm. A grande, quase total, fatia do dinheiro vem do conteúdo digital e isso deve-se a uma cultura de autêntica centralização da vida, e das suas centenas de factores, num smartphone ou coisa semelhante. Contudo, também se exigia que, da parte de um símbolo vivo que é o Diário de Notícias, se fizesse uma aposta na renovação do contéudo impresso. O empreendorismo só se faz para o lado que interessa. Ou que não interessa.

A pergunta passa, portanto a ser: que coisas restarão, no futuro, que não sejam feitas através de um ecrã?

Tudo isto pode ser uma verdadeira velhice do Restelo. Mas eles existem, inventaram-se para isso mesmo, numa altura em que ainda se arriscava a vida por um pobre papel com umas coisas escritas.