O que o cancro faz não se faz.
E o que podemos fazer em relação a isso é nada, obviamente.
Deixou de ser uma doença e passou a ser uma quase inevitabilidade, um destino certo, escrito algures numa página de toda e qualquer vida. Dê por onde der, em que altura for, o cabrão sempre aparece.
Fá-lo de uma forma traiçoeira, injusta e silenciosa, assemelhando-se ao larápio que rouba e não se vê. Um larápio que rouba tudo ao roubar a vida, e que não escolhe as vítimas, porque aparentemente todos nós o fomos, somos ou seremos.
A injustiça que transporta e a dor que arrasta são de uma dimensão sobrehumana, conseguindo transformar a vida num jogo, um triste jogo, em que tentamos derrotar com forças que não temos um monstro que não conhecemos, sem cara mas imparável. E o pior dos inimigos que podemos ter é, sem dúvida, aquele que não vemos nem tocamos.
O cancro é, ao mesmo tempo, a antítese e o espelho da vida. É a sua derradeira negação e a sua triste confirmação. E, como todas as coisas que preenchem esta ilusão da vida, não faz absolutamente sentido nenhum. Constitui a mais literal e física realização de que a vida não vale de muito e, que por isso mesmo, vale tudo.
O cancro é um filho da mãe. Infelizmente, a sua mãe é ligeiramente maior que as restantes. Merece, por isso e acima de tudo, o maior dos respeitos, como todos os filhos desta mãe chamada Natureza. Deve obrigar-nos a olhar para tudo com outro par de olhos e dar-nos a certeza que, por ser de matéria tão facilmente quebrável, a vida deve ser preenchida apenas com o objectivo de sermos e nos fazermos felizes uns aos outros.
Ao João Ricardo, ao Pedro Rolo Duarte, ao Manuel e à Maria, a todos os que demasiado cedo se foram. Ao meu avô. À minha mãe. Como nos ordenou um dos nossos maiores, a todos estes devemos o favor de ser felizes.
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